Vocação – Uma visão de Ortega y Gasset

Projeto significa destino. Eu não escolho meu destino; ele se apresenta como o que eu tenho que ser, como minha vocação, palavra que vem de vocare, “chamar”. Vocação é aquele chamado misterioso que nos atrai para determinada direção e que temos que atender, sob pena de falsificarmos nossa vida. Importante é saber que a vocação não se identifica com as carreiras (médico, professor, militar etc.) das pessoas.

A vocação é um imperativo personalíssimo. Não se trata de ser professor, por exemplo, mas de encarnar essa profissão de forma concretíssima, única e insubstituível. Ademais, a vocação inclui uma porção de inclinações que nada têm que ver com profissão. “Eu sou vocação não só para a filosofia mas também, por exemplo, para passear pelo campo, para me deliciar com comidas delicadas, para conversar com os amigos e não com qualquer um.”

A vocação não coincide sempre com os dotes. Nosso amigo Alberto tem enorme talento, digamos, para a matemática, mas sua vocação é a literatura. Lembre-se o caso famoso de Rossini, que, depois de consagrado como
um dos maiores compositores italianos, abandonou o pentagrama pelo fogão, rendendo-se inteiramente à paixão pela culinária.

A superabundância de dotes variados costuma perturbar o encontro da vocação. Quem está dotado para várias e diferentes funções ao mesmo tempo tem dificuldade em ser fiel à sua legítima vocação. Foi o caso de Goethe. O homem que toca habilmente sete instrumentos em geral está traindo sua vocação. Ela implica uma imagem de vida individualíssima e única, exigindo dedicação exclusiva. E qualquer vocação é utópica, nunca se realiza exaustivamente, em toda a plenitude. A uma dama que lhe perguntou certa vez “O senhor é Ortega y Gasset?” respondeu ele: “Mais ou menos, senhora…”

Do livro Ortega y Gasset A Aventura da Razão, de Gilberto de Mello Kujawski

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